"Os que leem o que escreve..."
Os destinatários, presentes no verso como parte essencial do próprio poema. (Perífrase)
Os leitores são integrados no ato da criação poética; os interlocutores do futuro estão já desde sempre incluídos no poema.
Fazem parte do diálogo que o poema instaura entre o Sujeito Poético e os leitores de todos os tempos.
"...sentem ... a [dor] que eles não têm"
Nesse diálogo acedem a uma "dor livre", "indisponível", que é a porção para eles preparada pelo Sujeito Poético...
A sua poesia é intrinsecamente com e para os outros.
"A [dor] que eles não têm"
Os leitores podem usufruir de uma dor que não possuem e que não os possui, ou que não sofrem diretamente. O poeta abriu-lhes esse acesso, que percorrem mediante a sua própria interpretação dos versos.
"A dor lida" é também sentida, mas não é possuída nem sofrida.
"A dor sentida"pelo sujeito poético brota numa experiência emocional que vai desencadear o ato criativo. É, por assim dizer, a "matéria-prima" do poema.
"A dor fingida" é a dor representada, mediante a passagem da vivência imediata de um plano sensível para um plano inteligível.
"A dor lida" é o fruto de uma interpretação do leitor que se coloca em consonância com a escrita; a sua leitura é como uma segunda escrita.
Esta leitura ativa tem de recuperar também uma ressonância genuína com a própria "dor sentida" do leitor.
"Fingir é Representar"
"Fingir" significa "representar", isto é, transpor, para um plano intelectual/inteligível.
Este ato é tão poderoso que tem a força necessária para transplantar a dor vivida até uma nova dimensão: do puro psiquismo, que é individual, para a literatura, que é universal.
A dor representada assume a dor vivida, mas metamorfoseia-a pela elaboração que a intelige: as vivências adquirem uma nova forma de ser; são, por assim dizer, eternizadas, como imagens poéticas.
Aí ganham um poder interpelante para os leitores que vivem as suas dores e, no poema, podem comungar na libertação que este opera.
O poeta vai à frente: é com o sangue do seu coração que cria as imagens vivas. Elas transportam um poder libertador para os leitores capazes de interpretar.
Dá-se um intercâmbio entre Pessoa e nós: ele deixa-nos, para sempre disponível, a possibilidade de uma vida nova e diferente.
Oficina de Escrita