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quinta-feira, 25 de julho de 2019

"Querer é Aventurar-se" - Fernando Pessoa - II



"Os que leem o que escreve..." 

     Os destinatários, presentes no verso como parte essencial do próprio poema. (Perífrase)

     Os leitores são integrados no ato da criação poética; os interlocutores do futuro estão já desde sempre incluídos no poema. 

     Fazem parte do diálogo que o poema instaura entre o Sujeito Poético e os leitores de todos os tempos.

"...sentem ... a [dor] que eles não têm"

     Nesse diálogo acedem a uma "dor livre", "indisponível", que é a porção para eles preparada pelo Sujeito Poético...
     A sua poesia é intrinsecamente com e para os outros. 

"A [dor] que eles não têm"

      Os leitores podem usufruir de uma dor que não possuem e que não os possui, ou que não sofrem diretamente. O poeta abriu-lhes esse acesso, que percorrem mediante a sua própria interpretação dos versos. 
     
     "A dor lida" é também sentida, mas não é possuída nem sofrida.

       "A dor sentida"pelo sujeito poético brota numa experiência emocional que vai desencadear o ato criativo. É, por assim dizer, a "matéria-prima" do poema. 

      "A dor fingida" é a dor representada, mediante a passagem da vivência imediata de um plano sensível para um plano inteligível.

      "A dor lida" é o fruto de uma interpretação do leitor que se coloca em consonância com a escrita; a sua leitura é como uma segunda escrita.

       Esta leitura ativa tem de recuperar também uma ressonância genuína com a própria "dor sentida" do leitor.

"Fingir é Representar"

      "Fingir" significa "representar", isto é, transpor, para um plano intelectual/inteligível.

       Este ato é tão poderoso que tem a força necessária para transplantar a dor vivida até uma nova dimensão: do puro psiquismo, que é individual, para a literatura, que é universal. 

       A dor representada assume a dor vivida, mas metamorfoseia-a pela elaboração que a intelige: as vivências adquirem uma nova forma de ser; são, por assim dizer, eternizadas, como imagens poéticas.

       Aí ganham um poder interpelante para os leitores que vivem as suas dores e, no poema, podem comungar na libertação que este opera. 

             O poeta vai à frente: é com o sangue do seu coração que cria as imagens vivas. Elas transportam um poder libertador para os leitores capazes de interpretar. 

         Dá-se um intercâmbio entre Pessoa e nós: ele deixa-nos, para sempre disponível, a possibilidade de uma vida nova e diferente.
Oficina de Escrita

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